Carta para Ti
"Vive como se o mar fosse terra,Sorri como se ninguém estivesse a ver,Ama-me como se não houvesse amanhã."
Bem isto é uma carta para ti, Inês sabes que adoro escrever e eu sei que adoras ler por isso espero que gostes. Têm sido dias difíceis e já tentei mais do que uma vez escrever o que sinto mas não é fácil.
Era segunda-feira e estava finalmente feliz, tinha passado o fim de semana a fazer escolhas a pensar em mim e não nos outros, no dia anterior tínhamos feito videochamada e todos viram o que não costumo mostrar, que estava triste e esgotada e sem ânimo e tu disseste "Falamos depois" e eu concordei. Eras a primeira a saber de quase tudo, a única que compreendia as minhas ideias malucas e as minhas revoltas. Não falamos depois desse dia, porque estou sempre ocupada demais, ou porque não te queria chatear por saber do teu cansaço acumulado. Voltando à segunda feira, eu estava feliz, vi uns episódios da minha série depois de ter estado o dia a estudar, nesse dia falei da morte do nosso mano e de como o queria conhecer e também falei de que, felizmente, não tinha sentido a dor da perda de alguém próximo, isto porque o mano morreu antes de eu nascer. Nessa noite acordei assustada com a porta a abrir, a porta do meu quarto faz um rangido estranho, ouvi alguém a chamar-me e a respirar pesadamente, pensei em tudo:
- Alguém atacou a Bruna;
- A Bruna entalou um dedo na porta novamente;
- A Bruna vai me atacar (esta era a menos provável);
- Estamos a ser assaltadas.
E eu perguntei "Bruna está tudo bem?", mas não era a Bruna, era a pior notícia da minha vida, eu só disse "Estão a gozar comigo, isso não é verdade!"... Eu chorei, eu gritei em plena madrugada num prédio (eu que nem meto a televisão com um volume acima de 15), eu disse que te queria, disse que não queria voltar aquele quarto... Fiz a mala à pressa entre abraços, copos de água e lágrimas, é tudo nítido na minha cabeça e ao mesmo tempo não passa de um borrão, uma névoa, talvez por ser duro demais. Agarrei em coisas que me faziam sentir próxima a ti, e nunca uma viagem de Faro a Fátima pareceu tão longa, e quando chegamos a Fátima eu comecei a ficar nervosa tinha 15 minutos para me mentalizar. Cheguei a casa dei um abraço forte a todos, foi tão difícil mas fiz-me de durona porque sempre quis ser como tu, e tu não tinhas medo da morte.
Quando a epilepsia se tornou presente na tua vida todos tinham medo de te deixar sozinha, eu achava parvo, preocupação a mais, mas agora dava tudo para não te ter deixado sozinha, porque tu estavas sozinha, tu que defendias que as pessoas deviam morrer sem dores e em paz, morreste sozinha e provavelmente em agonia. Os próximos dias foram massacrantes, pessoas e mais pessoas mas eu brinquei com o P como se estivesse tudo bem, porque nenhuma criança merece perder a sua mãe, muito menos uma mãe como tu. Ele foi a nossa força todos os dias. Eu não chorava, eu estava assustada, as pessoas iam achar que eu era louca e estavam preocupados porque eu não chorava, e passaram dias e mais dias e nunca mais podia ser a tua despedida. A missa foi bonita, cantei todas as músicas que conhecia o mais alto que consegui para te sentir comigo, tu és música, tu és letras, tu és tudo o que eu amo numa pessoa. Quis ver-te, pensei que ias ter um pequeno sorriso, mas não tinhas, tinhas hematomas que quero apagar da mente, mas estavas de rosa a tua cor preferida, nunca gostei de rosa por isso sempre foste a Princesa e eu a Aldeã, agora sempre que posso uso rosa, porque como já disse quero sentir-te comigo.
O Natal e a Passagem de Ano foram um horror, eu estava animada desde o verão para celebrar o Natal, foi duro. Na passagem de ano deitei-me antes da meia noite porque não queria ver fogo de artifício, e chorei tudo o que não tinha chorado. Quero te comigo, sentir a tua mão a fazer "cafunénés" (como tu dizias), cheirar o teu típico cheiro a Burberry, ouvir a tua risada maluca e gozar com a tua cara. No verão falaste comigo sobre os teus medos e foi tão estranho, porque sempre me senti a "bebé", a tua "bebé" e ali estavas tu à minha frente a chorar por achares que não eras boa o suficiente, eu não percebi porque é que sentias isso, porque aos meus olhos sempre foste "Bué boa" (esta frase vai ser sempre tua, prometo), eras a irmã mais velha e ali estava eu a tentar consolar-te e fazer-te entender todo o teu valor!
Tenho saudades tuas todos os dias, e às vezes sinto-me culpada por fingir que está tudo bem quando não está, porque ninguém está bem, mas na nossa família nós éramos as mais faladoras, e as mais chatas também, tenho de continuar a ser a mesma. Tenho medo de esquecer o teu cheiro, de esquecer a tua voz, de esquecer o teu sorriso, de me esquecer de quão bonita eras e és... Nunca tinha percebido o quão radiante eras, a luz que transmitias, e hoje sinto falta disso. Quero discutir com Deus porque não é justo, mas desde quando um mundo onde há fome e guerra é justo? Por isso não sei o que fazer sem ti, mas hei de descobrir...
O teu bebé é mais inteligente do que todos pensam, mas nós já sabíamos que ele compreendia coisas que os outros não percebiam, ele diz que estás no céu e que te ama todos os dias. Vamos ficar bem por ele, para ele saber como tu o amas e para saber como tu eras feliz!
Amo-te para sempre minha irmã, sei que não posso pedir que voltes para mim e me abraces, por isso peço que depois da vida exista algo maior, um sítio com música, livros, paz, suculentas e muita luz e que sejas muito feliz! És a minha inspiração, amo-te muito 🤍💖
Para sempre a tua bebé,
Guigui